DOM CRISTIANO CARDEAL TORQUATTO
POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA
PRIMAZ DO BRASIL
"Quando um membro sofre, todos sofrem com ele" (1Cor 12, 26a)
INTRODUÇÃO
1. Irmãos e irmãs, ao escrever-vos esta carta pastoral, não o faço movido por vanglórias nem por uma gratidão serena. Escrevo-vos com o coração inquieto, diante das feridas que se abrem no Corpo de Cristo, a Igreja. Vivemos tempos de tensão, dispersão e divisão. Por isso, esta carta deseja ser um apelo sincero à unidade, à escuta e à reconciliação. "Rogo-vos [...] que andeis de modo digno da vocação que recebestes [...] solícitos em guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz" (Ef 4,1.3).
2. Desejo partilhar com vocês algumas reflexões que brotam da escuta do Evangelho, da vida do nosso povo, do magistério da Igreja e da nossa experiência sinodal. Esta reflexão é, sobretudo, dedicada à porção do Povo de Deus que caminha na fé em solo aparecidense, sob o olhar da Virgem, onde a esperança floresce mesmo entre as feridas do tempo presente.
CAPÍTULO I:
A IGREJA COMO CASA DE MISERICÓRDIA E ESPERANÇA
3. A Igreja é lugar onde o povo de Deus encontra consolo e coragem. Como uma mãe, ela acolhe a todos, independentemente das dores, fracassos ou dúvidas que carreguem. “Esperando contra toda esperança” (Rm 4,18), como Abraão, tantos dos nossos irmãos e irmãs se aproximam dela com sede de consolo. Encontram, então, o olhar de Maria e o Coração de Jesus. A Igreja é terra da esperança que não decepciona (cf. Rm 5,5).
4. Como recorda a encíclica "Spes contra Spem", do Santo Padre, Lucas IV, "essa esperança também é para cada um de nós. Se a vida parece um labirinto sem saída [...] é necessário proclamar em alto e bom tom: Ele está conosco todos os dias até a consumação dos tempos!" (n. 9).
5. A Igreja é a casa onde todo povo pode encontrar um espaço de pertença, escuta e envio. Como nos lembra o Papa Francisco: “A Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa” (Evangelii Gaudium, 47).
6. Também no orbe virtual, a presença da Igreja se transforma em casa viva e aberta, onde muitos, especialmente os jovens, buscam sentido, consolo e fé. O espaço Habbiano pode ser reflexo da comunhão da Igreja universal: viva, missionária e misericordiosa.
7. O Concílio Vaticano II recorda com firmeza que “a Igreja é, em Cristo, como que o sacramento, ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Lumen Gentium, 1). Assim também deve ser a presença eclesial no orbe digital: sinal de comunhão, instrumento de reconciliação.
8. A missão da Igreja na modernidade exige criatividade pastoral e coragem profética. “A Igreja repete: Abri as portas a Cristo!” (Redemptoris Missio, 37), afirmara São João Paulo II.
9. A vocação da Igreja é ser sinal da ternura de Deus. Também em nosso orbe virtual - ou melhor, sobretudo nele, onde tantos caminham com sede de sentido, ela deve ressoar como eco do Evangelho, lugar de consolo e provocação, de escuta e envio. Como bem dizia Bento XVI: “Como primeiro passo da evangelização, devemos procurar manter despertada esta busca [de Deus]; devemos preocupar-nos por que o homem não ponha de lado a questão acerca de Deus deixando de a considerar como questão essencial da sua existência. Preocupar-nos por que ele aceite esta questão e a nostalgia que nela se esconde.” (Discurso à Cúria Romana, 2009).
10. A Igreja não pode se contentar em ser apenas um ponto de chegada. Deve ser uma escola de discipulado e uma casa de missão. O templo — seja físico ou virtual — é sempre ponto de partida.
CAPÍTULO II:
FERIDAS ABERTAS NO CORPO DE CRISTO
11. A vocação da Igreja é missionária. Não fomos chamados a permanecer estáticos, mas a ir ao encontro. Uma Igreja que permanece fechada em si mesma adoece, exorta-nos o Papa Francisco, “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Evangelii Gaudium, 49).
12. A missão exige de nós conversão sincera. Os escândalos, rupturas e divisões nos ferem. O cisma perpetrado por Dom Tomás Araújo von Klapperschlange com parte de seu clero, por exemplo, revela feridas profundas: causadas por agentes pastorais, pela ausência de escuta, pela soberba e pela falta de misericórdia. Como ensina a encíclica "Spes contra Spem": “Servir na humildade é reconhecer que tudo o que temos vem de Deus, e que, por Sua graça, somos chamados a ser Seus instrumentos no mundo. É deixar de lado o orgulho e a autossuficiência para se colocar à disposição do outro, para se aproximar do necessitado, do fraco, do marginalizado, sabendo que, ao fazer isso, estamos servindo ao próprio Jesus” (n. 27). Que jamais substituamos o Evangelho por projetos pessoais ou sede de protagonismo.
13. Precisamos reconhecer: somos membros de uma Igreja santa, com filhos muitíssimos pecadores, que precisa constantemente lavar os pés uns dos outros (cf. Jo 13). Não é com polarizações que curamos as feridas do Corpo de Cristo, mas com gestos concretos de humildade, perdão e misericórdia.
14. A comunhão precisa ser restaurada. Não pela força, mas pelo amor. Não pelo decreto, mas pela escuta. Não pelo medo, mas pela verdade. Como afirmou São Paulo VI, “a Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se colóquio.” (Ecclesiam Suam, 38).
15. Irmãos e irmãs, apelamos sinceramente à reconciliação: entre irmãos divididos, entre pastores e rebanho, entre carismas e estruturas. Que a ferida aberta no Corpo de Cristo seja tocada pela misericórdia do Ressuscitado.
CAPÍTULO III:
A IGREJA NO ORBE DIGITAL: MISSÃO E DISCERNIMENTO
16. O orbe virtual não é um campo neutro. É espaço de graça e também de conflitos. É campo fértil para a evangelização, mas exige discernimento. Como ensina a "Spes contra Spem", “essa alegria de servir é mais que uma tarefa ou um ato pontual, mas brota do coração que realizou a experiência pessoal com o Senhor. O próprio Cristo, em cada Celebração Eucarística, pela voz do Sacerdote, nos apresenta sua entrega total: ‘Este é o meu Corpo, que será entregue por vós’ (Lc 22,19). O Verbo Encarnado verdadeiramente se entregou por nós, e ao participar de Seu Corpo e Sangue, somos chamados a também vivermos essa entrega radical, a doarmos nossa vida, sem reservas, no serviço ao próximo; assim exorta-nos São João, em sua Primeira Carta, ‘nisto temos conhecido o amor: Ele deu sua vida por nós. Também nós devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos’ (1Jo 3,16)” (n. 23).
17. A presença da Igreja nos meios digitais não deve ser tímida ou improvisada. Ali vivem almas, florescem vocações, proclamam-se louvores. Mas também se escondem feridas, tensões, divisões e sedes de poder. Por isso, é preciso formar, discernir e acompanhar com amor e sabedoria.
18. Os pastores devem estar presentes com proximidade real e constante. Precisamos não apenas “marcar presença” no mundo Habbiano, mas formar discípulos missionários nesse espaço. É preciso, dizia Bento XVI, “dar agora um renovado impulso à evangelização, a fim de que estes povos continuem a crescer e a amadurecer na sua fé, para ser luz do mundo e testemunhas de Jesus Cristo com a sua própria vida” (Discurso à Assembleia do CELAM, 2007).
CONCLUSÃO:
UNIDADE PARA A MISSÃO
19. Irmãos e irmãs, a Igreja é uma só. Não pode haver dois corpos, duas verdades, duas doutrinas. Há uma só fé, um só batismo, um só Senhor (cf. Ef 4,5). Por isso, não podemos compactuar com cisões, rebeliões ou projetos paralelos. A caridade na verdade deve nos guiar.
20. Exorto-vos a renovar o ardor missionário com espírito fraterno e humilde. Que as comunidade que compõem nossa Igreja Particular sejam sempre espaços de acolhida, reconciliação e escuta. Que o orbe virtual se torne também um campo de missão, onde a unidade da fé se torne visível.
21. Sob o olhar da Virgem Aparecida, avancemos. Sob a intercessão de Santa Maria Madalena, caminhemos, “sejamos também portadores dessa alegria do encontro com o Senhor, para que, por meio de nossas vidas, todo o orbe [...] seja tocado pelo Seu amor” (n. 31).
22. Que a esperança que não decepciona, o Pão que nos alimenta e o exemplo de Maria nos sustentem.
23. A Igreja vive da Eucaristia e da comunhão. Onde houver divisão, que haja reconciliação. Onde houver ruído, que haja escuta. Onde houver soberba, que floresça a humildade.
Dado e passado nesta cidade Arquiepiscopal de Aparecida, aos oito dias do mês de julho do Ano Jubilar de 2025, sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida,
Rainha e Padroeira do Brasil, patrona do orbe Habbiano.